A ciência comprova que a comida certa tem o poder de aumentar a capacidade de raciocínio, aprendizado e memória
Menu inteligenteFonte: Isto é
por Cilene Pereira
Agora, a pesquisadora Agnes Floel, da Universidade de Münster, na Alemanha, acaba de descobrir mais uma vantagem de ingerir menos do que o habitual: nosso cérebro funciona melhor.
No primeiro estudo do gênero feito em seres humanos, Agnes constatou que diminuir a quantidade do que se coloca no prato aumenta em até 20% o desempenho da memória de indivíduos saudáveis.
É muito, em especial quando se considera o fato de que o resultado foi obtido em pessoas que não portavam deficiências neurológicas.
Nestes casos, em geral, intervenções, mesmo que mínimas, acabam gerando benefícios. Mas melhora tão expressiva em engrenagens azeitadas é algo realmente surpreendente.
Por essa razão, o trabalho mereceu destaque na última edição da revista científica Proceedings of the National Academy of Sciences, em que foi publicado.
E. no mundo todo, pesquisadores ficaram entusiasmados.
Mark Mattson, estudioso do Instituto Nacional de Envelhecimento, órgão do governo americano, por exemplo, impressionou-se:
"A melhora na performance cerebral foi muito significativa", disse.
No estudo, Agnes avaliou o desempenho da memória de 29 mulheres e 21 homens com idade entre 50 e 72 anos. Eles foram divididos em três grupos.
NA MEDIDA Para Madalena, deficiências nutricionais prejudicam as estruturas cerebrais |
O segundo manteve a quantidade, mas aumentou em 20% o consumo de gordura insaturada, presente no azeite de oliva, por exemplo, chamada de gordura do bem por seus benefícios contra o colesterol. O restante não fez modificação na dieta.
Nos testes, apenas o grupo que reduziu o volume de alimentos obteve melhora. A alemã Agnes já vislumbra o uso da nova informação.
"Espero que seja utilizada para ajudar a manter nossa capacidade cognitiva ou diminuir sua perda ao longo do envelhecimento", disse à ISTOÉ.
Certamente a pesquisa da estudiosa contribuirá nesse sentido.
Ela é mais uma conquista importante no profícuo campo de estudo da ciência que busca decifrar as relações entre o cérebro e os alimentos. Atualmente, há dezenas de cientistas empenhados nessa tarefa.
No estudo de Agnes, o foco era a quantidade.
No caso da imensa maioria dos trabalhos, porém, o objetivo é investigar a ação que os componentes presentes na comida têm sobre o órgão.
Nutrindo a inteligência desde cedo Theo Dias tem apenas um ano e oito meses, mas recebe a dieta que necessita para alcançar o máximo potencial de inteligência. Sua mãe, Lívia Queiroz, 24 anos, oferece ao menino as proteínas das carnes, inclusive de rã, gema de ovo e muito feijão. "Sei que esse alimento é fonte de proteína essencial para o bom desempenho mental", explica Lívia |
De tudo o que se analisou até agora, há uma certeza: o que ingerimos apresenta impacto real nas funções cerebrais. Isso significa dizer que os nutrientes têm, sim, o poder de aumentar nossa inteligência, memória, coordenação e até de nos proteger de doenças caracterizadas por desequilíbrios bioquímicos, como a depressão.
"Não há dúvida de que os alimentos são como um composto farmacêutico, um remédio, que atua sobre o cérebro", afirmou à ISTOÉ Fernando Gómez-Pinilla, professor de neurocirurgia da Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos.
"Podem elevar nosso potencial de raciocínio e aprimorar muitas outras funções", disse.
Pinilla é um dos mais respeitados cientistas da área. Ele é autor de um dos mais relevantes estudos sobre o assunto, publicado recentemente na revista científica Nature.
No trabalho, o pesquisador fez uma revisão de 160 outras pesquisas acerca do tema para conseguir chegar a uma conclusão mais fundamentada sobre os efeitos da comida no cérebro.
O que ele viu foram evidências claras dos benefícios. Uma das pesquisas analisadas pelo professor, por exemplo, foi feita na Austrália com 396 crianças com idade entre seis e 12 anos.
Elas receberam suplementos de vitaminas e minerais e também de ômega 03 - um tipo de gordura encontrado em alimentos como peixes de água fria.
Ao fim de um ano, elas manifestaram desempenho muito superior em testes de avaliação de inteligência e de capacidade de aprendizado do que aquelas não alimentadas com esses nutrientes.
Há duas semanas, a ciência apresentou mais uma prova desse poder. Uma pesquisa da Universidade Columbia de Nova York, divulgada na revista de neurologia da Associação Médica Americana, demonstrou que a chamada DIETA MEDITERÂNEA está associada a um menor risco de declínio de raciocínio.
Essa alimentação, típica das regiões próximas do mar Mediterrâneo, é baseada no consumo de peixe, azeite de oliva, cereais, frutas e legumes.
"É mais uma mostra de que a comida pode aprimorar a inteligência", disse à ISTOÉ o médico Alan Logan, autor do livro A dieta do cérebro. "Uma boa nutrição nos ajuda a alcançar o máximo do nosso potencial em termos de Q.I.", diz.
A razão para a existência dessa relação tão forte reside na própria constituição do cérebro. Cerca de dois terços do órgão, por exemplo, têm estruturas que levam gorduras em sua composição. Uma delas é a mielina - membrana que recobre a extremidade de determinados neurônios e que é composta por 70% de gordura. Os outros 30% são proteínas. A questão é que, embora muitas das substâncias envolvidas no processo de criação ou no funcionamento cerebral sejam fabricadas pelo próprio organismo, boa parte também é fornecida por meio de alimentos. Uma das melhores fontes do ácido oleico, um dos compostos presentes na mielina, são o azeite de oliva e o abacate. "A colina, existente na gema de ovo, é ingrediente fundamental para a neurogênese, o nascimento de novos neurônios", exemplifica a nutricionista Fernanda Machado Soares, do Rio de Janeiro.
Memória garantida A relações-públicas aposentada Eloísa de Freitas Valle tem 79 anos. Ela comanda um escritório, vai a bancos e ainda se encarrega dos afazeres domésticos. Tanto pique ela atribui aos cuidados com a saúde e com a alimentação. "Combino sempre grãos, peixes e legumes. É o que mantém meu corpo e memória saudáveis." |
Fernando Gómez-Pinilla, professor de neurocirurgia da Universidade da Califórnia (EUA)
Já as proteínas são a base para a produção dos neurotransmissores, as substâncias que fazem a comunicação entre as células nervosas. "É por causa de associações como essas que eventuais deficiências na alimentação diária podem perturbar a organização estrutural e bioquímica do cérebro", explica a nutricionista Madalena Vallinoti, de São Paulo. Essas informações significam que, a exemplo do resto do corpo, o cérebro também depende da comida para operar plenamente.A interação começa pela oferta na medida certa de seu combustível, a glicose, obtida a partir da alimentação. Sem esse açúcar, os neurônios simplesmente não funcionam. Falta energia. Mas a melhor maneira de garantir um bom aporte é ingerir os chamados carboidratos complexos, presentes em alimentos integrais (pães, arroz, massas, cereais). Eles são aproveitados pelo organismo de forma mais lenta do que os refinados, o que impede a ocorrência de picos de concentração da substância no sangue. Trata-se de um efeito muito adequado.
O excesso de glicose na circulação sanguínea - seja ele causado por picos, seja pela ingestão exagerada de comida - está associado à baixa performance mental, como acaba de provar um trabalho realizado na Wake Forest University Baptist Medical Center, publicado na edição deste mês do jornal científico Diabetes Care.
Ao analisar o desempenho da memória, coordenação psicomotora e performance cognitiva de cerca de três mil adultos com mais de 55 anos, os cientistas constataram que quanto maior o nível médio de glicose no sangue, pior o rendimento. Essa é uma das razões pelas quais reduzir a quantidade do que se come - consequentemente diminuindo o acúmulo de glicose na circulação sanguínea - faz com que cérebro funcione melhor, como mostrou a alemã Agnes.
Outra função muito ligada aos alimentos é a sinapse, os pontos de contato entre as células nervosas por meio dos quais são transmitidas as informações de um neurônio a outro. Esse processo é fundamental, por exemplo, para a consolidação da memória e da inteligência.
A questão é que 30% da gordura presente nas membranas desta área é formada por moléculas de DHA, um tipo de ácido ômega-3. "Porém, o cérebro não consegue fabricar a substância na concentração necessária", explica o cientista Fernando Gómez- Pinilla. "Então, é preciso suprir o que falta por meio da dieta." De fato, há várias indicações de que, quando o consumo de ômega 3 por meio da comida ou de suplementos atende à demanda cerebral, as sinapses ocorrem mais facilmente. Na opinião da nutricionista funcional Patrícia Davidson, do Rio de Janeiro, o nutriente deve ser dado inclusive a gestantes e bebês. "Isso estimula a melhor formação do cérebro das crianças", afirma.
Cardápio para estudar O estudante Marcelo Raimundo Silva, 23 anos, quer ingressar no serviço público e, por isso, estuda o dia todo para prestar concursos. Sob a orientação da nutricionista Patrícia Davidson, ingere muito açaí, rico em antioxidantes, azeite de oliva e castanhado- pará. Segundo ele, a concentração e a disposição para o estudo aumentaram. "Sinto que meu rendimento intelectual melhorou" |
Às frutas e verduras cabe basicamente fornecer ao cérebro o antídoto contra os radicais livres, moléculas resultantes de processos de oxidação que ocorrem no organismo a partir da entrada do oxigênio.
Elas são extremamente prejudiciais a todas as células do corpo. No entanto, no cérebro há um agravante. Sua intensa atividade requer muito oxigênio - ele consome 25% do total inalado -, o que consequentemente eleva a produção dos tais radicais.
Por isso, é vital que ele seja bem protegido pelos chamados antioxidantes. Essa proteção cabe às vitaminas e aos minerais presentes principalmente nos vegetais.
Mas há ainda uma variedade de alimentos com propriedades igualmente interessantes, como o cacau presente no chocolate (leia mais no quadro que começa à pág. 80).
Aos poucos, descobertas como essas começam a mudar o cardápio do dia-a-dia. No restaurante carioca Balanceado, da nutricionista Mônica Dalmácio, o menu é formulado de maneira a fornecer ao cérebro tudo o que ele precisa.
"Procuramos dar ao nosso cliente os ingredientes já prontos para ser assimilados pelo organismo", diz. Nas receitas das nutricionistas, as recomendações também estão cada vez mais presentes. "Mesmo quando o paciente não aborda o assunto, pergunto como está sua memória, capacidade cognitiva", explica a nutricionista Daniela Jobst, de São Paulo.
"Formulamos a dieta de acordo com sua necessidade."
Nos Estados Unidos, há inclusive uma empresa, a Brain Food Program (programa de alimento para o cérebro), que já adota os novos preceitos para preparar o menu de escolas.
No cardápio, há espaço para folhas verdes e frutas vermelhas, ricas em antioxidantes. Hoje, a companhia presta serviços a sete colégios, mas tem planos de passar a atender o dobro neste ano.
Trabalho da Universidade Columbia, nos Estados Unidos, mostrou que os indivíduos seguidores da dieta mediterrânea, baseada em peixes, azeite e cereais, apresentam melhor desempenho cerebral
Almoço fora, mas de qualidade O empresário Henrique Vieira, 28 anos, segue um cardápio bem variado e rico em nutrientes, mesmo quando come fora. Vieira garante que já sente os bons efeitos da alimentação. "Tenho mais disposição e memória", diz. Nas suas refeições, não faltam salmão, arroz integral, frango e vegetais |
O cuidado está ainda se tornando prática nos consultórios médicos especializados. Na clínica do geriatra e nutrólogo Nelson Lucif Jr., de Ribeirão Preto, no interior de São Paulo, os indivíduos que seguem as orientações apresentam benefícios visíveis no desempenho mental.
"É possível notar as mudanças após algumas semanas", diz o especialista, diretor da Associação Brasileira de Nutrologia. Portanto, à mesa, neurônios!
Colaborou Gustavo de Almeida (Rio de Janeiro)
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